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Como os Direitos Humanos nos ajudam a lidar com a pandemia e a nos preparar para o que está por vir?

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Por Cyrille Bellier e Céline da Graça Pires*

A pandemia - e nas últimas semanas, as manifestações decorrentes das violências policiais e discriminações raciais - nos mostrou mais uma vez o quanto a nossa sociedade moderna precisa de valores de referência para nos guiar em períodos turbulentos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos tem cumprido essa função única nas nossas democracias, resguardando a manutenção da dignidade humana e dos direitos mais essenciais, como o direito à vida. No entanto, se o papel do governo é razoavelmente claro quando falamos de Direitos Humanos, o papel do setor privado ainda precisa ser clarificado para que as empresas se mobilizem com mais força.

Convidamos Céline da Graça Pires*, especialista internacional em Direitos Humanos da BSR, com ampla experiência no Brasil e América do Sul, para trazer algumas reflexões fundamentais para uma gestão de crise e para a criação de caminhos práticos na integração dos Direitos Humanos à estratégia de retomada das empresas.

Dentro do contexto mundial, por que os Direitos Humanos são tão essenciais para tratar as fragilidades expostas pela pandemia?

Esta pandemia aumenta as vulnerabilidades estruturais pré-existentes. São 3 impactos principais. Impacto número um, mais visível, é a ameaça direta ao direito à vida e à saúde de todas as pessoas no mundo, mas, sobretudo, das pessoas mais vulneráveis, como idosos e trabalhadores da linha de frente.

O segundo impacto está relacionado às medidas que os Estados têm tomado para conter a propagação do vírus, como medidas de distanciamento social, confinamento, quarentena, e até toque de recolher. Existem limites para reduzir liberdades fundamentais e Direitos Humanos. Assim como os princípios da Siracusa, essas medidas devem sempre ter um objetivo específico que é prevenir a pandemia e serem realizadas de acordo com a lei. Hoje, temos uma intensificação na coleta e no tratamento de dados pessoais pelo Estado, mas também pelo setor privado, para poder informar as políticas públicas contra a propagação da pandemia. Estas medidas de rastreamento das pessoas, de informação dos trabalhadores levantam preocupações sobre o armazenamento desses dados, aumentando o potencial uso indevido de dados pessoais que são um risco grave para o direito à privacidade. O terceiro impacto é a potencial violação de liberdades fundamentais em consequência da crise social, econômica, e até política que estamos vivendo. Por exemplo, o direito a viver com dignidade, o direito ao trabalho e a um padrão de vida adequado.

Todos os direitos humanos são indivisíveis, inter-relacionados, interdependentes. Na área de Direitos Humanos temos um efeito dominó muito forte. Sem emprego, como podemos garantir um padrão de vida adequado? Como vamos poder garantir o acesso às necessidades humanas básicas, o acesso à saúde? Como vamos pagar o teste de diagnóstico do vírus e o sabão para lavar as mãos? O aluguel do apartamento, para respeitar as medidas de distanciamento social?

Desde março, vimos este tema ganhar uma dimensão maior nas empresas. Talvez estejam entendendo que Direitos Humanos são drivers de gestão mais importantes do que se imaginava. Como você explica esta mudança?

Já notamos que os Direitos Humanos estão no centro das estratégias de retomada de muitas empresas e em todos os continentes. As empresas têm que assumir um papel de liderança, hoje mais do que nunca, na proteção dos Direitos Humanos, e em particular das pessoas mais vulneráveis. Quando o próprio Estado está ultrapassado, as empresas têm os recursos, a influência, a agilidade necessária para atuar de maneira muito rápida. Existem marcos de referências internacionais que estabelecem a responsabilidade das empresas, com um comportamento mais passivo e um comportamento mais ativo. Comportamento passivo significa que elas devem evitar causar impactos negativos ou contribuir na geração de impactos negativos por meio das suas próprias atividades. Basicamente, significa não piorar uma situação que já está muito frágil.

Um comportamento ativo, significa que as empresas têm a responsabilidade de realizar a devida diligência (due diligence) em Direitos Humanos, não apenas para identificar os reais impactos negativos, mas também, prevenir, mitigar e reparar os riscos sobre Direitos Humanos. De acordo com os Princípios Orientadores da ONU para empresas e Direitos Humanos, uma empresa que não está atenta às suas potenciais violações em Direitos Humanos, poderia enfrentar riscos legais no país e também prejudicar a reputação e negócios. Elas vão ser julgadas pelas comunidades locais impactadas, pelos colaboradores, pelos clientes, pelos fornecedores, pelos seus investidores (cada vez mais atentos a este tema), pela própria sociedade civil, por ações e medidas que elas não tomaram, podendo perder oportunidades de negócios futuros e até perder, para alguma delas, a licença social para operar.

Quais são as soluções e abordagens que existem dentro desse universo de Direitos Humanos para uma integração ágil nas organizações?

Dentre os diferentes níveis de ação para as empresas, o nível de ação mais imediato é de reação à crise de maneira responsável; além deste, existe um nível de ação à longo prazo, na construção da resiliência futura. Na prática, a primeira reação é que elas precisam priorizar a saúde, a segurança e o bem-estar dos trabalhadores. Alguns exemplos práticos são, por exemplo, oferecer o teletrabalho para todos os trabalhadores, reduzir os trabalhadores de campo ao essencial, respeitar as normas de distanciamento social de acordo com as indicações da OMS e implementar rigorosas medidas higiênicas.

Algumas empresas na nossa rede de membros disponibilizaram, por exemplo, ônibus especiais para os trabalhadores durante a pandemia para que eles não precisem pegar transporte público. Outras empresas tomaram medidas específicas a fim de apoiar os colaboradores em situações de vulnerabilidade, pessoas de grupos de riscos, mulheres e idosos, que corriam o risco de serem afetados de maneira desproporcional pela crise e medidas de isolamento voluntário.

Quais as ações de longo prazo em Direitos Humanos que as empresas devem começar a olhar para adquirir maior resiliência?

Olhando para a construção da resiliência no futuro, esta pandemia revelou as vulnerabilidades estruturais das cadeias de fornecedores. É também um momento para reconhecer as falhas dos sistemas logísticos existentes, e de implementar as lições aprendidas para logo poder fortalecer a resiliência e contribuir a uma retomada mais sólida no Brasil, na América Latina, em todo o mundo. É o momento de pensar em compromisso. Se as empresas não têm uma política de Direitos Humanos, é o momento de pensar internamente, de constituir um grupo de trabalho para ter uma política de Direitos Humanos sólida e, inclusive, que inclua os Direitos Humanos dos grupos mais vulneráveis. Também é o momento para conhecer melhor a cadeia de fornecedores, estabelecer estratégias de engajamento, caso não existam, ou fortalecê-las caso existam. Uma terceira ação à longo prazo é a identificação dos grupos mais vulneráveis impactados pelas operações das empresas. Como por exemplo, as mulheres na linha de frente na indústria têxtil em Bangladesh, no Paquistão. Dependendo do setor, da localização geográfica, do perfil da empresa, os grupos vulneráveis não são os mesmos, e os que são impactados direta e indiretamente também variam. Na BSR, desenvolvemos um método de identificação desses grupos, para a empresa poder tomar medidas necessárias e adaptadas de mitigação dos impactos negativos nos seus Direitos Humanos afetados.

Para finalizar, gostaríamos de reforçar as conexões entre o momento presente e o que podemos e devemos fazer para construir o futuro. Qual seria sua mensagem Céline?

Ninguém pode construir o futuro e adquirir maior resiliência sozinho, e eu acho que é um momento para as empresas construírem resiliência, não só econômica, mas também social. Essa crise é uma crise humana e social, e acho que a pergunta para construir o futuro juntos é: a empresa está ou não preparada para a próxima pandemia, para a próxima crise? É o momento de pensar em cenários futuros, porque não é e não vai ser a única crise. Por exemplo, uma crise ligada à mudança climática pode desencadear desafios ambientais e causar distúrbios sociais e econômicos ainda maiores. Então, é o momento de adaptar-se e preparar-se para a nova realidade, adquirir resiliência, e de novo, fazer isso em conjunto com outras empresas e governos. Eu acho que neste momento, estamos vendo que o desenvolvimento de respostas à crise é um trabalho em equipe. Esta crise nos ensinou uma coisa muito importante, que a mudança pode chegar de maneira muito rápida e muito mais poderosa do que poderíamos pensar.

Saiba como tornar a sua estratégia de retomada mais resiliente!

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Sobre a Céline da Graça Pires

Atualmente, Céline apoia a BSR em projetos com foco em análise, design e implementação de estratégias de negócios relacionadas aos Direitos Humanos e engajamento de partes interessadas, em particular comunidades locais e grupos vulneráveis (povos indígenas e minorias). 

Antes de juntar-se ao BSR, Céline foi consultora em Direitos Humanos e Ética Corporativa de empresas de mineração dispostas a operar de forma responsável na América Latina. Céline também foi chefe de Relações Internacionais no Fórum Mundial para uma Economia Responsável. Antes disso, trabalhou em escritórios de advocacia no Brasil, na França e no Chile, assessorando empresas extrativistas em processos de engajamento de públicos chave, de gerenciamento de conflitos com comunidades locais e de outras crises relacionadas aos Direitos Humanos.

Céline é Advogada pela Paris Bar School (CAPA - França), mestre em Direito e Ética de Negócios pela University of Cergy-Pontoise e mestre em Business and Energy Law pela universidade de Aix-Marseille.

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Sobre a BSR

Organização global sem fins lucrativos, com mais de 25 anos de experiência trabalhando com empresas na área de sustentabilidade e Direitos Humanos. A BSR assiste mais de 250 membros e empresas de todas as áreas, todas as indústrias e setores, em todos os lugares do mundo.

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